Olá amigos!
Depois de mais um hiato (culpa da faculdade e do trabalho), o Altar de Selûne se redime de sua ausência disponibilizando pra vocês a história do misterioso Lycia. Finalmente os segredos por trás dessa figura incógnita serão revelados.
Lycia tem sem dúvida o passado mais negro e doentio de todos aqueles que já passaram pelo grupo - mais até que os vilões Pólux e Aurora Snow juntos.
Parabéns ao meu grande amigo e colega de turma, Roberto César, que emprestou bastante de seu próprio estilo de vida ao seu personagem. A mente perversa de meu amigo trouxe tamanha depravação ao Lycia, que não pude evitar de lembrar do conto "O Gato Preto", de Edgar Alan Poe.
Chega de conversa. Curtam a depravada vida do até então incógnito e introspectivo guerreiro dos Guardiões da Prata: Lycia.
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Vida Longa à Morte
Nascido há 36 invernos (1.338 C.V) o guerreiro Lycia Flori´art(1) têm como torrão natal Águas Profundas. Seus pais e tutores, Voto e Umbehla, sacerdotes de Myrkul, morreram na batalha entre fiéis de Mystra e o deus da morte, no mesmo dia em que Midnight, com a deusa da Magia encarnada em seu corpo, destruiu com Desintegração a divindade. Lycia, então seguidor de Myrkul viu no sopé do Monte Águas Profundas à morte do deus e o pó do seu corpo se espalhar pelos ares. A morte dos pais veio seguida, pelas mãos de Adon, um clérigo devoto de Mystra.
Lycia possui um tenebroso passado. Participava de rituais de morte e masoquismo na igreja do deus localizada em "Undermountain". Sujeitava-se a horrores extremos e ações deploráveis. Ele deflorava moças virgens e oferecia suas vidas e sangue ao deus da morte. Matava mulheres prenhes e ilibadas. Invadia lares e roubava dos berços recém-nascidos – muita das vezes os infantes apareciam na porta dos lares onde foram roubados, sem o cérebro, pois que ele também praticava o canibalismo. Com sarcasmo participava ainda do enterro de algumas suas vítimas, isto quando ele mesmo não as enterrava – dentro ou fora da hora de serviço (Lycia era o coveiro da Cidade dos mortos!). Praticava tais e outras ações em maioria das vezes na periferia rural de Águas Profundas junto a um grupo de seguidores fanáticos. Eram seguidores de Bane e Bhaal, numa apologia às ações do "Dark Trio".
O seguidor do deus da morte, na atitude que julga a mais extrema, sujeitou-se a ser enterrado nu e vivo num dos feriados religiosos, como uma iniciação. Por cinco dias esteve um palmo abaixo da terra. Apesar de todas estas atitudes de derradeira vilania, sempre foram reservados e discretos, especialmente Lycia. Ainda nos dias atuais a milícia de Águas Profundas ainda busca saber quem são aqueles malfeitores, pois que jamais deixaram pistas. Foram oferecidas recompensas em panfletos por toda a cidade, e alguns destes ainda podem ser vistos em algum poste esporádico da cidade.
Do grupo que praticava estas ações, apesar de toda a vilania, havia uma grande amizade entre eles, aqueles apólogos do Dark Trio – Lycia, guerreiro de Myrkul, Crevel(2), feiticeiro de Bhaal e Mayhem (3), guerreiro-sacerdote de Bane. Perversos, não havia maior prazer do que realizar suas ações e irem se divertir na mais periférica das tavernas e praticarem orgias com meretrizes da mais baixa estirpe, sexualmente tão perversas quanto eles. Tão discretos eram que não faziam amizade com ninguém mais. Viviam paralelamente ao mundo e compartilhavam duma mesma fria realidade.
Numa destas noites de orgia uma das meretrizes acabou enforcada, dir-se-ia por culpa de Crevel, pois que o nó que a enlaçava ele não conseguiu desatar, tão bêbado estava - aliás, todos demasiadamente ébrios. As outras putas, assustadas, gritavam histéricas. Mayhem, o mais impetuoso dos três, acabou por matá-las na pretensão de não chamarem a atenção, mas pouco adiantou – o berredo foi notado pelos freqüentadores.
Houve discussão entre Mayhem e Crevel. Embolaram-se em socos e pontapés, mas a briga encrudeleceu e o seguidor de Bane mataria o amigo se Lycia não interviesse atravessando a espada no pescoço do banita.
Crevel, que não aceitou a intervenção do companheiro, fez menção de partir para o ataque, mas a porta do quarto onde gozo e sangue se espalhavam densamente pelo soalho encardido estava prestes a ser arrombada. A milícia havia sido chamada ante a gritaria toda, agora emudecida.
Lycia e Crevel entreolharam-se. Aquele entendeu que fugiriam dali, portanto pulou da janela do segundo andar e torceu o tornozelo. Crevel, na verdade, pensara em ficar – a grande quantidade de lótus negra usada certamente lhe afetara as reações – e, inerte, viu Lycia escapulir feito um gato. Sentiu-se traído. A porta fora arrombada. Eram três guardas que depois de tomarem alguns ébrios, porém furiosos e descontrolados sopapos, prenderam-no enfim. Crevel assumiu toda a culpa para si, não denunciou ou sequer mencionou o amigo Lycia, e lamentou a morte de Mayhem. Fora preso e seu único pedido foi ver ao menos o amigo ser incinerado – incineração tal feita por Lycia, o Coveiro.
Terminava assim as ações da Tríade Negra. Lycia jamais esquecera o último olhar lacrimejado que Crevel o fitou após a cremação – um misto algo como vingança, adeus, decepção, tristeza, uma verdadeira lança banhada com uma lágrima venenosa de rancor e maldade pura. A ética de Lycia desmoronou e ainda hoje se martiriza por não ter-se entregado. Crevel também não olvidou da covardia do ex-companheiro, e seu vil rancor não esmoreceu mesmo com o passar dos anos em sua cela a mais podre.
Lycia ainda continuou a trabalhar como coveiro. Realizava alguns trabalhos para a igreja, mas agora sem vontade ou paixão, e, por incrível que pareça agora sim se tornava sombrio, triste, antes de tudo, afetado por um arrependimento que só não desvanecia por causa da abstinência de tomar outra opção – inércia malograda.
Veio o Tempo das Perturbações. Seus pais morreram. A igreja fora destruída. Lycia se extenuara de enterrar corpos e deambular por Águas Profundas a qual conhecia cada beco e ruela; a maldade crua se ia de seu espírito como flor secando no outono. O que mais gostava de fazer então era abstrair-se olhando o mar no Distrito das Docas, onde esperava ouvir cantos de Sereias que dizem viver ali, protegendo a vida submarina do local. Desde criança Lycia anseia ouvir estes cantos espumantes.
Numa taverna, num dos dias em que o tédio consumia-lhe as fibras, conheceu uma mulher, Lorelei (4), uma ladina seguidora do novo deus da morte, Cyric, e com ela passou novamente a sorrir em cometer, desta vez, menores maldades. Aceitou o novo dogma, tornou-se persuasivo e um mentiroso, e esta máscara é que he ocultara o arrependimento.
O belo e fino rosto da delgada mulher não lhe era estranho: conhecia-a algures: tirava disto o mistério de seu amor. Lorelei fazia já parte dos Ladrões das Sombras que agiam no Distrito das Docas. Lycia ingressou na famigerada guilda. Dupla perfeita eram eles. Conseguiam dinheiro em jogos e agiam como frios mercenários; divertiam-se; enriqueciam-se; drogavam-se; entendiam-se; pareciam-se amar de verdade.
Lorelei engravidou e o amante sentia-se pleno, feliz. No sexto mês de gestação, numa tarde de primavera, Lycia jurara-a amor eterno, pela primeira vez confessava-lhe amor, e isto fez Lorelei segredar-lhe algo do coração: este coração dela pertencia a outro, e, mencionando o nome doutro, como um fantasma de loucura passasse por seu corpo e uma Banshee lhe gritasse no ouvido da mente profunda Lycia sentiu um calafrio – o nome era Crevel!
Tomado por um pavor do acaso insurgido, Lycia fora invadido pelos demônios que dormitavam no leito de seu velado inconsciente. Insano, destruíra os móveis da casa onde moravam próximos ao Distrito do Norte. Quebrara seus quadros e artes. Endoidecera enfim. Desmoronou o amor.
Lorelei assistia à cena com um sorriso no canto dos lábios carmins, e, como não bastasse, a ladina relatou, em baixa e murmurante e fria voz, detalhe a detalhe, o episódio daquela noite acontecida há anos. Pior, pois que miséria pouca é bobagem: ela era a prostituta enforcada! Lorelei mantinha uma relação de amor segredado com Crevel. Em verdade ela não morrera, não era uma morta-viva que agora olhava Lycia com a profundidade gelada de uns olhos sarcásticos - ela salvou-se da morte graças aos guardas que lhe conseguiram prestar socorro a tempo.
"Era ela a prostituta enforcada! Era ela a prostituta enforcada!... e que não morreu!" berrava Lycia um cem par de vezes, em descontrole. Naquela noite Crevel tinha-se desesperado com o aparente enforcamento, por isso a discussão dos amigos fora calorosa; por isso iam-se matar um ao outro, pois que Mayhem sabia da relação de amor de ambos; por isso a intervenção de Lycia fora inconveniente: Mayhem amava-a também, e ela se dividia entre os dois aos quais amava.
A realidade desfigurou-se como carne queimando ante a mente enlouquecida de Lycia. Parecia impossível compreender toda aquela verdade feita de acasos os mais inaceitáveis. Mas era tudo verdade. Lorelei confessou-lhe ainda que esperava Crevel sair da prisão para voltar a amá-lo com o corpo, e não desculparia Lycia pela morte do outro amante. O prazer de cutucar com língua viperina uma ferida pustulenta que tornava arder com intensidade a mais violenta destruiu nosso herói. Deu-se aqui o limiar da situação. Lycia ajoelhou-se, tomou mão da espada e atravessou o ventre da mulher que estava sentada.
Prostrou-se depois do assassinato covarde como estátua chorando cálidas lágrimas que acompanhavam o verter daquele duplo sangue – o de sua amada e de seu filho querido que ia sendo gerado.
Passou a noite em vigília abraçado ao colo da mulher morta e, antes do amanhecer, desterrou o feto malformado do lar uterino e enterrou ambos no quintal da propriedade. Retirou-se de Águas Profundas e perambulou feito um espectro por toda a Costa da Espada.
Passaram-se os anos, Kelemvor vingou-se de Cyric e ascendeu à divindade: era dele então o posto de deus da Morte. Aquele nosso herói agora não tinha fé e tomou a decisão de matar-se. Numa árvore, ao pôr-do-sol, de fronte ao mar, enlaçou uma corda no pescoço – certamente em alusão à puta enforcada, sua ninfa então. Soltou-se dum galho da árvore. Sentira a vida desvanecer como água evaporando.
Em seu delírio, o novo deus da morte veio-lhe falar: "Reconheça que a morte é parte da vida. Não é um fim, mas um começo, não uma punição, mas uma necessidade. A morte é um processo ordenado, sem enganos, ocultismos ou casualidade. Ajude os outros a morrerem com dignidade, no momento correto, e nunca antes." Lycia, em seu apreço pelos domínios de mistério da morte, e toda sua beleza enfim, compreendera aquela iluminação como um fuzil que dá um lapso de luz e permite encontrar o caminho outro. Quando sua alma for julgada arderá esta profundamente nas camadas infernais, entretanto havia ainda tempo de viver e abrandar a pena. Kelemvor mostrara-lhe o caminho, mas que fazer com aquela corda no pescoço? A vida se ia. Lycia estendia a mão para o sol que se punha sob o horizonte, e tocava-o, distantemente. Ele escutava enfim sedutores cantos de sereias em bolhas de sabão. Sobreveio o desmaio e a volúpia da morte. Fornicava sereias no seio das águas do mar. O braço caiu e pendulou. A árvore ciciava suas folhas. Fazia frio. Era inverno...
As ondas vinham acariciar eternamente a praia. O corpo enlanguescido de Lycia sentia o afago benfazejo. Abriu os olhos. A lua cheia ia alta e soprava sua claridade prateada sobre as nuvens negras. Estava em decúbito e pleno era seu silêncio. Um seu segundo movimento foi pôr-se em posição fetal, pois que sentia o frio e o abandono. A mente nada lhe dizia. O canto das ninfas do mar fora abafado pela tormenta. Sentia-se como que morto. Vieram-lhe as lembranças, os signos, as associações. As ondas erguiam seus bustos imponentes com os fortes ventos e violentavam a praia. Chovia a cântaros. O coração do desgraçado batia e debatia-se contra a parede de seu peito. Sim, estava vivo. Como fora parar ali? Resposta desconhecida. Com dificuldade pôs-se de pé. Caiu de joelhos. Ergueu-se de novo. O corpo extenuado e molhado ia até a árvore. Tornou a cair. Engatinhou e tornou a erguer-se amparado pela solitária árvore. O nó da corda fora desatado. Lembrou-se de Lorelei. Uma outra pegada que não a sua mostrara-lhe que alguém o tinha levado até o pé do mar. Sentou-se, pois, ao pé da árvore, e passou a noite em vigília, meditando esse seu novo espírito que vomitara enfim toda a louca vilania. Cantaram os pardais. Viera a áurea hora que o dirigira para Águas Profundas. Sumira-se da praia. Prosseguia a chuva e o frio derradeiro evocou singelos flocos de neve.
Post-Scriptum
Na falésia havia três silhuetas humanas que o perscrutaram toda a noite.
À aurora, como evitassem a mais amena claridade, e com a partida de Lycia, os corpos coroados pela sombra se foram.
Quem eram eles? Zaliach, Crevel e Lorelei. Esta última, ressuscitada pelo Lich seguidor de Shar, é agora uma morta-viva e continua amante de Crevel.
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Notas:
(1)Lycia: nome de uma banda de gótico darkwave.
(2)Crevel: nome de um poeta francês marginal e surrealista, René Crevèl, que aos 35 anos matou-se por asfixia de gás.
(3)Mayhem: nome de uma banda de black metal.
(4)Lorelei: lenda germânica: ninfas do mar.
Nota do mestre: Xiiii.... Quando o Agnus descobrir esse passado negro....Vai dar merda. Com certeza.